quinta-feira, 14 de abril de 2011

CELEBRAÇÃO

Sempre fui contra boa parte do que propaganda e publicidade têm produzido. A técnica, a criatividade e a inteligência de que se valem estão a serviço, na maioria das vezes, de embustes e mentiras.

O esporte também é cheio de maracutaias em que o fã é o atingido. Se houver então propaganda e publicidade em torno de um evento esportivo, será lícito supor um duplo engodo – o da propaganda e publicidade e o do esporte.

À parte isso, o Comitê Olímpico Internacional, em 2004, lançaria marcante campanha publicitária. Produzida pela Saatchi & Saatchi, de Nova Iorque, a série de comerciais e de anúncios, veiculada em mídias eletrônicas e impressas, vale-se do amplo acervo de imagens do Comitê. Na campanha para televisão e rádio, a narração ficou por conta do ator Robin Williams.

Desde quando começaram a ser veiculados, os comerciais me chamaram a atenção pela beleza, por serem comoventes e pelo tom extremamente whitmaniano que têm: a ideia de que podemos estar em sintonia apesar de superficiais diferenças, a ideia de que podemos fazer do encontro um momento de comunhão, a ideia de expressar – sem pieguice – que a derrota pode ter a mesma beleza da vitória... Tudo isso são questões por demais expressas na poesia de Walt Whitman (1819-1892).

Abaixo, a fim de ilustrar o que digo, poema de Whitman; a seguir, tradução que fiz para o texto; por fim, vídeo em que há os comerciais veiculados mundialmente em 2004.
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Song of myself 18 - Walt Whitman

With music strong I come, with my cornets and my drums,
I play not marches for accepted victors only, I play marches for
conquer'd and slain persons.

Have you heard that it was good to gain the day?
I also say it is good to fall, battles are lost in the same spirit
in which they are won.

I beat and pound for the dead,
I blow through my embouchures my loudest and gayest for them.

Vivas to those who have fail'd!
And to those whose war-vessels sank in the sea!
And to those themselves who sank in the sea!
And to all generals that lost engagements, and all overcome heroes!
And the numberless unknown heroes equal to the greatest heroes known!
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Canção de mim mesmo 18 - Walt Whitman
 
Com música forte eu venho, com minhas cornetas e meus tambores,
eu não toco marchas para os vitoriosos aceitos apenas, eu toco marchas para as pessoas dominadas e assassinadas.

Você ouviu que foi bom ganhar o dia?
Eu digo que também é bom cair, as batalhas são perdidas no mesmo espírito em que são ganhas.

Bato forte meu ritmo pelos mortos,
sopro pela embocadura o mais alto e contente por eles.

Vivas para aqueles que fracassaram!
E para aqueles cujos navios de guerra afundaram no mar!
E para aqueles mesmos que afundaram no mar!
E para todos os generais que perderam batalhas, e para todos os heróis derrotados!
E para os inumeráveis heróis desconhecidos, iguais aos maiores heróis conhecidos!


6 comentários:

Bruna Caixeta disse...

Lívio,
achei que a promoção ao "Celebrate Humanity" - que daria até um título para os poemas de Whitman- é muito clara especialmente no final do vídeo, onde o conceito de adversário comum e fomentado pelas relações profissionais, é transposto para o plano do relacionamento de dependência e completude entre os atletas - metonímia dos homens.
Gostei muito da forma não demagoga de expor o convite à humanidade, de celebrá-la. O que tem tudo a ver mesmo com os poemas do Whitman, sobretudo com este que você selecionou e muito belamente traduziu.
Abraços, Lívio. Valeu pelo "post".

Lívio Soares de Medeiros disse...

Bruna, sou fã da série de comerciais desde quando ela surgiu. E, de fato, sempre achei os comerciais whitmanianos.

Gostei de seu comentário. Valeu.

Francisca disse...

Lívio,adorei os videos,são realmente comoventes! È uma lição pra todos nós,não só para os atletas.Nos mostra que as derrotas da vida nos conduzem às maiores vitórias,nos tornando mais fortes para lutarmos e continuar o percurso.Desistir jamais. obrigada pela postagem,show de bola!Beijo.

Lívio Soares de Medeiros disse...

Show de bola, Francisca. Que bom que você gostou.

Beijo.

Ismael disse...

Lívio, ótima reflexão sobre o atual cenário publicitário. Concordo bastante com o que você disse.
Não conhecia os comerciais das Olimpíadas de 2004, de fato são raros, criativos e muito bonitos.
Quanto ao velho Walt, se ele não fosse tão mágico e merecidamente cidadão do Universo, diria que seria quase uma ironia o fato de ele ser estadunidense.
Aproveito pra te indicar um comercial bacana sobre o futebol, que achei ser relacionado com o seu pensamento:
http://globoesporte.globo.com/platb/meiodecampo/2011/04/18/comercial-com-a-cara-do-brasil-com-o-jeito-do-nosso-futebol/

Abraço.

Lívio Soares de Medeiros disse...

Grande Ismael, gostei da expressão "cidadão do Universo" para se referir a Whitman.

Show de bola, o comercial. Obrigado pela dica.